Ele chega a casa, estourado do trabalho,
Ela passa o algodão de seus lábios nos dele, uma recompensa,
Ele abre a camisa, desaperta a gravata e chama o filho,
Ela abre aquela irritante embalagem de arroz,
O filho recorda ao pai, o interessante dia escolar,
Ele ouve a interminável e heróica história do filho e folheia o jornal, com a pestana cansada,
Ela acaba de pôr a mesa, pede ao filho para largar a playstation,
O filho aceita com bastante relutância ...
- Venham para a mesa!
Grita a mãe, esposa, enfim ela, de lá de dentro,
O filho surge com a cara mais amarrada possível
E ele, nervoso, senta-se a protestar com a "... miséria do País que temos! ..."
- Já volto.
Diz ela, antes de se dirigir aos quartos para abrir as camas,
Ele brinca, alegre, com o miúdo até se cansarem,
O petiz encosta-se às almofadas do sofá, adormece e leva o pai com ele.
Ela levanta a mesa, acaba de lavar a louça,
Shhhhh,
Shhhhh,
Ela chama os meninos, veste o pijama ao filho e dá-lhe um doce beijo de boas noites,
Shhhhh,
Shhhhh,
Eles dormem e ela finalmente adormece, não sem antes ir verificar novamente o seu bebé, apagar a luz, desligar aquela desgraçada e desgastada televisão, tirar a bola que ficara no caminho após a brincadeira dos homens da casa. Mesmo sem dar conta adormece um anjo da guarda, que o que faz não o faz por obrigação mas sim de coração. Amanhã, ao raiar do sol o anjo acordará e todos nós homens estaremos ainda a dormir, sonhando com esses fabulosos anjos, que nos acalmam e nem nos damos conta disso.
(inspirado num texto de Carlos Drummond de Andrade)